A Justiça do Trabalho sempre pendeu mais para o lado do trabalhador e a ideia de que o empregado, como parte mais fraca no processo, merece proteção ainda existe. Mas o Judiciário brasileiro tem colocado cada vez mais as empresas em pé de igualdade com o empregado e, buscando combater a chamada indústria de reclamações trabalhista, tem sido mais rigoroso e aplicado multas para quem busca a proteção da lei de forma antiética.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, João Dalazen, por exemplo, prefere a expressão Justiça do Trabalho e evita falar de Justiça Trabalhista. Para ele, a Justiça trata das relações de Trabalho, sem pender para o lado do trabalhador, como sugere o termo "Justiça Trabalhista".
“A Justiça via o trabalhador como a parte frágil, mas isto está mudando. Antigamente era comum o funcionário aque poderia ganhar algo mais da empresa, mesmo quando já tinha recebido todos os seus direitos. Isto ajudava a formar uma verdadeira indústria de reclamações trabalhistas. É o se colar, colou”, revela a advogada Carla Romar, sócia do Romar Advogados.
Doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP, Carla Romar conta que há ainda os casos de e ex-funcionários que entram na Justiça pleiteando revisões de pagamento já efetuados. “É que alguns desses pedidos são baseados em tentativas de enganar a Justiça, usando informações inverídicas”.
Leone Pereira, Coordenador Pedagógico do Complexo Trabalhista Damásio de Jesus, aponta que os juízes mais antigos tinham uma visão tradicional em que preponderava a proteção do empregado, tanto que, cientes disso, mesmo com razão, dependendo do caso, as empresa eram orientadas pelo próprio advogado a fazer um acordo, sob o risco de, na dúvida, o juiz dar causa ganha ao empregado.
Mas Leone Pereira entende que os juízes mais novos são mais cautelosos, tanto que têm negado pedidos de Justiça gratuita para empregados e concedido para empregadores. “A Justiça tem exigido que o empregado comprove a necessidade da Justiça gratuita e determinado a gratuidade para empregadores de pequeno porte e domésticos, por exemplo. Isso é bom porque ressalta a imagem de um Judiciário imparcial”.
Segundo Carla Romar, até pouco tempo, a Justiça não multava artimanhas processuais dos empregados. Uma das multas perdoadas pelo TST foram as aplicadas entre 2005 e 2009 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região (Santa Catarina) contra ex-funcionários do Banco do Estado de Santa Catarina, comprado pelo Banco do Brasil. Eles haviam participado de um plano de demissão voluntaria exigido pela própria categoria para, depois, entrar com ações buscando diferenças trabalhistas.
Se nas questões processuais as empresas já têm jurisprudência favorável, as situações em que os trabalhadores entram com ações temerárias ou sem qualquer direito ainda são menos punidas. “Um exemplo é uma reclamação que pede um pagamento maior do que o devido. Se a diferença for pequena, dificilmente o juiz irá perceber a má-fé", afirma Carla.
Leone Pereira ressalta que, atualmente, o maior empregador no Brasil é o micro e pequeno empregador, ou seja, nem sempre o trabalhador está em uma situação tão desfavorável com relação ao patrão. “A Justiça ainda protege mais o empregado, mas o cenário já tem sofrido algumas mudanças, e positivas. O aumento das condenações por litigância de má-fé e assédio processual tende a combater a indústria dos processos trabalhistas”.
Segundo Carla Romar, pelas leis brasileiras, qualquer uma das partes de um processo trabalhista — empresas ou funcionários— que tentar enganar a Justiça pode ser condenada. A punição clássica é a multa de 1% sobre o valor da causa. “Esse valor, no entanto, pode chegar a 20%, caso uma das partes consiga comprovar que teve prejuízos por conta da ma-fé.
Para as companhias que duelam na Justiça por casos desse tipo, no entanto, o volume financeiro que pode causar impactos positivos para o caixa em caso de vitória é quase irrelevante, mas é uma questão de não ter culpa sobre uma conduta não praticada.
Uma das formas de comprovar a má-fé é estabelecer laços entre antigos funcionários de empresas e advogados, diz Carla Romar. “Há casos de verdadeiro conluio entre testemunhas. Geralmente, eles pedem o mesmo à Justiça e têm o mesmo advogado, exemplifica.
Caso emblemático
Esta semana, uma doméstica da cidade de
Gravataí (RS), que entrou na Justiça para ter reconhecido vínculo empregatício,
foi ocndenada a pagar multa e indenização a sua própria madrasta. A 4ª Turma do
Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a relação não pode ser considerada
como empregado-empregador, porque a mulher apenas cuidava de seu pai doente.
Além disso, os ministros consideraram que, no início do processo, não constava
nos autos que a suposta patroa era companheira do pai da autora da ação, o que
foi considerado pelo Tribunal omissão de fato relevante, ficando evidente a
tentativa da trabalhadora de alterar a verdade dos fatos.
O TST também determinou que, mesmo tendo sido beneficiária da justiça gratuita, a doméstica deverá arcar com o pagamento das penalidades, uma vez que foi caracterizado caso de deslealdade processual e litigância de má-fé.
Projeto de lei
O número de casos desse tipo tem crescido
tanto que já há tentativas de apertar o cerco sob a prática. O assunto tem
gerado tanta polêmica que a Câmara dos Deputados analisa projeto de lei, que
prevê punição para as partes em processos trabalhistas que agirem de má-fé. Pela
proposta, da deputada Gorete Pereira (PR-CE), aqueles que mentirem durante o
processo, buscarem objetivos ilegais ou apresentarem recursos somente para
retardar o julgamento, por exemplo, serão multados e pagarão indenização a outra
parte.
O projeto altera a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho - Decreto-lei 5452/1943). Essas medidas já estão previstas no Código de Processo Civil (CPC - Lei 5869/1973), que pode ser aplicado nos casos de omissão da CLT. Segundo a autora do projeto, o objetivo é “desestimular processos temerários e sem fundamento”.
Pelo projeto, a multa para esses casos, determinada pelo juiz ou pelo tribunal, será de até 1% do valor da causa. Já a indenização a outra parte pelas despesas efetuadas será de até 20% do valor da causa. 
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2012